quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um novo autor



"Tadashi Katsuren começou a amar a fantasia na infância, com os inúmeros animes (desenhos animados japoneses) que enchiam sua mente de rajadas de energia, golpes super-poderosos e vilões que desejavam dominar ou destruir o mundo. Teria sido normal caso sua fascinação diminuísse com o tempo, o que não ocorreu.  A paixão pelos mangás e animes inspirou-o a conhecer jogos, American comics, seriados e os livros. Por estes últimos ganhou apreço. E desde então produz os mesmos, e com muita qualidade. Sua escrita cativante tem por objetivo constante despertar emoções. Sensações e sentimentos fortes em seus leitores.
Seu estilo é a ficção, que beira sempre o fantástico. O surreal. Inimaginável.”

Lista de obras – Contos

As Sombras
Lê e Beto
A Liga dos Diamantes
Cinco Séculos
O Criminoso Cortês
Rumos do Conhecimento
A Outra Face da Moeda
Chaves, Reflexos, Espelhos
Nuvem Bela
Monólogo 1
Monólogo 2
Monólogo 3
Monólogo 4
Che Guevara 78
Infinitas Máscaras
Dream Breaker
Clarisse
Relatos de um Profissional Atuante
A Planície Infinita
O Cubo
A Música do Coração

Lista de obras  - Poemas

Em meio ao nada
Cego
Céu
Novos Passos
A Cada Novo Dia...
Não Feche
O que te para?
MC
Liberdade
Abraços
Convivência
Sobre os Seus Ombros
Emoldurada
Correntes Quebradas

Mais um de Auguste Thomas

A casa dos Boniviere 

“Então, para que você caminhe nesta terra,
você e suas crianças temerão minha chama viva,
que morderá profundamente e saboreará sua carne.”

Maldição de Michael, anjo do Senhor
- Livro de Nod

Era cerca de onze e quinze da noite quando Jayme passava diante da casa dos Boniviere, ainda assustado com as histórias que se contavam sobre este lugar tão mortificado. Ninguém jamais ousara entrar naquela casa. Não neste século.
A casa dos Boniviere já foi lar dos mais requintados bailes do século XVIII, mas desde o desaparecimento de alguns jovens da região, deixou de ser visitada e perdeu todo seu glamour.
O medo batera as portas da sua alma levando seu corpo a um estremecer incontido, enquanto a fumaça que lhe saía pela boca sinalizava o frio que aumentava cada vez que ele dava um passo em direção aos portões. Ao fundo, a imagem de um grupo de jovens que apostavam debaixo da luz do único poste da rua, se Jayme seria corajoso o suficiente para adentrar aquele retiro de tantas sombras. A sua mão esquerda já se punha a diante do cadeado, que antes mesmo que ele pusesse a mão, veio ao chão, junto com a corrente que ele prendia.
À sua direita, uma larga rua que dava para o nada indicava uma possível rota de fuga caso algo acontecesse.
Era sufocante. O ar frio entrava em seus pulmões que pareciam duas pedras pesadas que tinha presas ao corpo. Insuportável. Mas, mais insuportável ainda seria se ele retrocedesse. O escárnio era, para Jayme, pior que qualquer um dos males que pudesse o esperar dentro do lar Boniviere.
O portão gemeu frio e metálico, como todo bom portão velho. Até a entrada da casa, havia uma pequena estrada de pedras largas, rachadas e desniveladas. O jovem rapaz andava por elas, sempre olhando para trás, para ver se ainda estavam lá, como disseram que ficariam, a observar enquanto entrava na casa.
Chegando a porta, percebeu que a mesma estava fechada. Iria voltar, mas quando se voltou para trás, viu que ainda estavam lá.
_Porque eles não vão embora? – pensou Jayme, que poderia dizer no dia seguinte que havia entrado na casa sem mesmo ter passado por aquela porta de madeira tão encanecida.
Ele colocou a mão na gelada maçaneta e a virou. Abrindo a porta, ouviu mais uma vez um rangido sofrido, e sentiu mais uma vez o seu corpo estremecer. Resolveu continuar caminhando. Afinal, já estava ali. Não havia porque temer. Eram apenas histórias. Nada daquilo poderia ser real. Ao continuar caminhando, ficou completamente deslumbrado com o hall de entrada. Era belíssimo. Cortinas pesadas e vultosas desciam desde o alto da cúpula até o chão, que era como um imenso tabuleiro de xadrez. O medo fora substituído pelo deslumbre do vislumbre do jovem rapaz.
Andando pelo meio de quadros, esculturas, objetos de valor. Observando os vitrais, que mesmo esburacados pela ação de vândalos, esboçava uma majestade de tempos que não se viviam mais naquele século tão conturbado.
A sua frente, uma escadaria, ao qual pretendia subir se uma pequena porta ao lado direito da escada, próximo a um pequeno suporte para velas, não lhe chamasse atenção. Aquela porta não estava tão empoeirada como as outras. Ela devia estar sendo usada, ou deixou de ser usada há muito menos tempo que as demais.
Sua curiosidade misturou-se ao medo, o fez com que fosse em direção àquela porta. Estava escuro, mas a luz da lua ainda permitia que Jayme visse a primeira dezena de escadas que havia atrás daquela porta. Havia em seu bolso, um antigo isqueiro que pertenceu ao seu avô, e havia sido passado para ele por seu pai, antes que morresse. Ainda havia querosene nele. O pequeno pedaço de vela que ainda havia no suporte seria o suficiente para que ele fosse e voltasse de lá debaixo.
Com a demora de Jayme, os jovens rapazes foram embora achando que provavelmente havia desmaiado de medo e, pela manhã, iria embora. O rapaz que propôs a idéia foi Henry. Henry e Jayme possuíam desavenças por causa do amor de Laura, uma jovem moça portuguesa.
Jayme, agora com a vela acessa, descia lentamente as escadas, passo a passo. Não havia mais beleza, nem luxo para se observar agora. As paredes medievais, frias, úmidas e cobertas de musgo trouxeram à tona novamente o medo do jovem rapaz. As escadas continuavam a chamá-lo para baixo. Ele seguia, até que chegou à sala de pedra.
O lugar não havia cheiro, não havia cor, não havia vida. Parecia outro mundo. Um mundo antigo, rústico e sombrio. Enquanto passava a vela perante a parede se deparou com um rosto demoníaco. O susto foi eminente. Ele saltou para trás, quase soltando a vela que segurava em sua mão. Seus olhos tremiam, e seu corpo, mesmo no frio agora suava. A dor que sentia no seu estômago era forte, causada pela súbita entrada de ar e pelo disparar de seu coração.

Ainda assustado, começou a iluminar aquilo. Era cinza, possuía a mesma cor que a parede. Jayme deixou sair de seus lábios um leve (e aliviado) sorriso. Achando-se um tremendo inerme por ter se apavorado por causa de uma espantosa obra de arte. Mas, como era real. Parecia vivo. Parecia que a qualquer momento seus olhos poderiam se abrir e seus braços se descolar da parede para um ataque sem chance de defesa.

“23 de junho de 1898 – Veneza

Pois bem, parece que fui fardado a esta terrível maldição. Dependendo da vida de outros para que a minha não-vida permaneça neste mundo. Que egocêntrico sou. Tão egoísta. A solidão se tornou minha mais bela companheira, e a tristeza da minha não-morte, a conselheira durante todo este tempo. Quem me dera ter tido a mesma companhia de Caim. Senhora, onde estás? Todos os meus me deixaram. Todos os meus foram levados de mim. Estou só. Amaldiçoado pelos anjos e só. Afastado do meu fôlego e só...”

Até que, por detrás de Jayme surgiu o acinzentado rosto demoníaco da obra da parede. Silenciosa, com seus olhos escuros, enegrecidos como noite ao qual estavam. Lentamente, aproximava-se dele, com sua boca entre aberta, iluminada apenas pela luz da vela. Até que o jovem moço sentiu uma leve e frígida brisa lhe passando pelo corpo. A chama da vela balançou e ele voltou para trás para apenas ver novamente a obra de arte ali, presa na parede. Como vira até então. Mas havia algo estranho. Os olhos pareciam mais limpos. Como se alguém os tivesse limpado ou como...

...se eles houvessem se aberto.

Jayme se apavorou e tentou sair, mas a porta se fechou antes que ele a alcançasse. Não sabia o que acontecia. Voltou para próximo da mesa e olhava para a parede vazia. Seu coração saltara. Seu corpo agora transpirava um medo palpável e o desespero lhe fez esmurrar a porta, enquanto ouvia algo se mexendo. Os socos que dava faziam com que suas mãos sangrassem. Até que parou. Tudo agora era silêncio.
Jayme encostou-se à porta e aos prantos caiu sentado no chão (Silêncio). Atento, Jayme observava a sua volta, procurando o paradeiro daquele demônio enquanto do alto da parede, silenciosamente, descia aquela criatura infernal. O noctívago assoprou. Agora tudo havia se tornado escuridão.

“Então, para que você caminhe nesta terra,
você e suas crianças se agarrarão a Escuridão.
Você só beberá sangue. Você só comerá cinzas.
Você sempre será como você estava na morte,
Nunca morrerá, se mantendo vivo.
Você entrará para sempre na Escuridão,
tudo que você tocar irá se tornar em nada,
até os últimos dias.”

Maldição de Uriel, o Terrível anjo do Senhor
– Livro de Nod

            Não sentia mais frio e nem dor. Não havia luz. Apenas sentia-se estranho. Como se tivesse sua boca preenchida com farpas e feno. Era difícil falar. Um cheiro estranho, ácido, estava no ambiente. Teria desmaiado? Não. Aquilo não foi um sonho. Pegou a vela que havia no chão e acendeu-a novamente, com o isqueiro de seu avô. Levantou-se pensando em correr em direção a parede, mas quando notou a si mesmo, diante da mesma já estava. Agora não era um demônio. As rugas haviam sido preenchidas e aquela criatura parecia mais jovem, mais limpa.
           
            Jayme ainda não entendia o que estava acontecendo. Era noite. Não sabia como tinha aquela informação, mas algo lhe dizia que era noite. Não sabia se era ainda a mesma que conduziu até a casa ou se muitas já haviam se passado.

            Foi abrir a porta do porão, que antes trancada, agora se desfazia ao puxar de sua mão. Subiu as escadas tão rapidamente que estranhou, logo estava na frente da escada e ausência de luz pela fresta das longas cortinas apenas corroborava o que já sabia. A lua estava posta no céu e não havia mais sons do dia na rua. No meio do pátio, sentiu um cheiro diferente. Adocicado, leve. Sentiu-se como envolvido num veludo terno. Sua boca seca encheu-se de um líquido espesso. Não era saliva. Ouvia passos ritmados misturados o outro som. Duas batidas densas, como se estivessem sido feitos por debaixo de alguma coisa. Estavam acelerados.
Um universo de sons havia se aberto para ele. Rapidamente, ouviu ou burburinho. Uma garrafa de vidro se estilhaçando. Um barulho de salto alto ao fundo. Bem distante. Quanto mais prestava atenção nos sons, mais variados e longínquos eles apareciam.

Toc, toc.

Tirou a atenção de Jayme que se pôs a porta tão velozmente quanto havia subido as escadas. Era Damian, um dos jovens rapazes que lhe havia feito a aposta.

_Jayme. É você quem está aí? – chamou o rapaz.
_Damian... – respondeu com voz fraca.
_Você está bem? Achávamos que você sairia hoje pela manhã, mas você não deu sinal de vida. Algumas pessoas já perguntaram por você. Inclusive o seu patrão.
_Damian...

Damian se assustou com a voz de Jayme e punha-se a ir embora quando ouviu o ranger da antiga porta e viu, à luz do luar, o rosto de Jayme. Seus olhos estavam irritados, enrubescidos. E sua pele, sempre corada, havia se tornado pálida, como a de um homem há muito ferido. Todos olhavam a cena de longe. Percebiam que Damian conversava com o jovem auxiliar do armazém. O simplório Jayme.
Até que este fora dominado por impulsos antes nunca vistos em si. Damian se apavorou e tentou correr, mas, num salto Jayme o pegou e o arrastou para dentro. Os jovens que ainda olhavam ao longe correram. E no fundo, os sons dos urros desesperados e afogados de Damian petrificaram a Henry. Que ouvia a morte do amigo, nas mãos do “covarde” Jayme Vincenzo, como eles mesmos o chamavam.

***
Ali dentro Jayme cravava seus dentes no pescoço de Damian, que com todas as suas forças gritava a ainda tentava se soltar do abraço feroz de Jayme, mas não conseguiria. Sentia a cada sugar, as suas forças indo embora. Sentia frio. Seus braços e pernas não respondiam aos seus comandos. Até que sua visão foi se escurecendo, lentamente, e com a morte veio o silêncio.
Jayme o soltou e engatinhou para longe. Olhando para a cena que havia se havia se formado naquele piso como tabuleiro de xadrez.
Chorava, e amaldiçoava os que, por sua inocência, o fizeram entrar ali. Amaldiçoou seu nascimento. E em seu coração, agora sombrio, brotara um anseio de vingança. Um direito já há muito merecido.


“Então, para que você caminhe nesta terra,
você e suas crianças temerão o amanhecer,
e os raios do sol irão queimá-lo como fogo onde quer que você se esconda.
Esconda-se agora para o nascer do Sol levar sua ira até você.”

Maldição de Raphael, arcanjo forte do Senhor
- Livro de Nod

E abraçou forte o corpo do jovem rapaz, sem vitae, no chão. E gritou o pesar de sua alma, já destruída pela maldição lançada sobre ele. Em memória, saiu aos fundos da casa. Soube exatamente como lá chegar, encontrando um imenso campo de plantas altas e mau cuidado. E ali enterrou o corpo do chovem rapaz na cova que cavou com as próprias mãos.

Entrou na casa novamente, e voltou ao porão. Lá ainda estava a criatura, presa na parede. Estava escuro, mas isso não o atrapalhava. Da mesa, recolheu todos os papéis que lá estavam e num dos quartos seguros da casa, lançou-se a leitura de todos. Mas em um havia escrito o que ele necessitava ler.

“15 de outubro de 1902 – Veneza.

Está será eternamente a minha sina. Se esconder da luz do Sol, que ferirá a mim e a minhas crianças. Permanecer longe do fogo, que me fará dano irrecuperável, vagar pela noite só, tendo a minha presença rejeitada por causa da minha fome e da minha sede. Um fardo pesado. Duro de ser carregado. Maldição cruel. Mas com ela me veio a força para me mover como um raio, para ser rígido como uma pedra e força suficiente para erguer qualquer objeto, mais pesado que seja. Veio-me a habilidade de dominar a mente das pessoas, e de fazer com que a minha presença seja temida e respeitada. Veio-me a habilidade de me comunicar com os animais e de até me tornar um deles. E de como muitos outros, fazer com minha presença não seja notada por olho nenhum. E a mim foram dados olhos e ouvidos aguçados, capazes de ver o que o homem comum não vê. Capaz de vasculhar a mente, o passado, o futuro breve e todas as lembranças.
Sou conhecido e dono das minhas crianças, e tudo o que eu sei elas sabem também. Não existe pensamento meu, que mesmo antes que eu diga, elas não saibam...”

Agora, entendia o que acontecera. Estava fardado a viver como um noctívago imortal até o fim dos tempos. Mas que lhe dera esse destino, também iria pagar.



“Filho de Adão, Filho de Eva, Vê,
a clemência do Pai é maior que você sempre soube, agora há um caminho aberto,
uma estrada de Clemência que você chamará de Golconda
e fala para suas crianças disto,
para que, seguindo esta estrada, possam morar na Luz uma vez mais.”

A bênção de Gabriel, o gentil anjo do Senhor
- Livro de Nod

            E viu amanhecer o dia, e se escondeu junto da criatura. Esperando que o véu da noite caísse. E nisso entendia a si mesmo. E praticava a sua força, e praticava sua velocidade. E enquanto isso, Jayme ouviu, fraco, e ao longe o seu nome ser dito.

            _Jayme...

            Não sabia de onde vinha. Procurava no lugar quem houvesse dito o seu nome e olhou para a parede da estranha criatura. E aproximou o seu rosto do daquele demônio imóvel. Agora sabia quem o havia chamado. Ele tocou o rosto da criatura e viu...

... memórias de um homem trabalhador e com muitos amigos lhe vieram à mente. Um homem bom, que passava diante aquela mesma casa, mas no esplendor de seus dias de uso “humano”. Ali, de uma janela, à noite, uma ruiva mulher se pôs a olhar para ele, que hipnotizado, não resistiu aos seus olhos cativantes e ao seu corpo desnudo e foi ao seu encontro. No calor de momentos libidinosos, foi abraçado pela jovem moça ruiva e teve a maldição compartilhada com ela.
            Logo sua visão fora lançada a uma sala vermelha, de um pequeno palacete francês, com um lustre acesso preso ao teto, enquanto as escadas circundavam aquele lugar. Chovia, e na janela do lado de fora havia um homem triste que olhava para dentro daquele palacete procurando a sua amada. Catherine? Era esse o nome dela?
            Aquele homem subiu até a janela do quarto e viu-a na cama, a sua jovem esposa aos prantos pela ausência do calor do seu corpo ali, ao seu lado. Logo, estava no porão e encostado na parede se fez ela, para viver a sua eterna prisão só, em esquecimento. Mas não fora o único, havia outros como ele naquele lugar.
Uma passagem secreta que levava ainda mais profundo naquele casarão escondia os Boniviere que ainda dormiam para um retorno triunfante futuro. Fez-se de guarda para a tumba daqueles noctívagos.
Ao se soltar do rosto daquela figura da parede, olhou para o lado e sabia como entrar no jazigo que guardava o segredo Boniviere. Mas já era noite e a sua vingança precisava ser executada.
Jayme saiu da casa, e ao andar na rua exibia um olhar tempestivo e vivo. A sede passara e se sentia seguro, mais ainda carregava em si o peso da morte do jovem Damian. Deixaria Henry por último, para este mesmo soubesse que era Jayme que estava fazendo tudo aquilo.

O primeiro: Olivier Leclerc. Filho de franceses. Nascido em Veneza. 19 anos. Morto no dia 2 de agosto de 1919. Causa Mortis: Estrangulamento. Seu pescoço foi apertado até que a última vértebra cervical fosse espremida e tornasse-se caco.

O segundo: Lion Ragazzo, filho de italianos. Nascido em Veneza. 19 anos. Morto no dia 3 de agosto de 1919. Causa Mortis: Afogamento. Alguém lhe lacerou a língua e depois costurou a boca. O estômago não recebeu bem o sangue e o fez regurgitar. Não podendo sair pela boca, o sangue e as suas náuseas se prenderam em seus pulmões e morreu agonizante como um porco sufocado na própria imundície.

O terceiro: Antonio Bonamorte, filho de italianos. Nascido em Veneza. 18 anos. Morto no dia 4 de agosto de 1919. Causa Mortis: Dilaceramento por ataque de animal. Seu corpo fora encontrado completamente destruído. Apenas o rosto fora deixado livre por razão desconhecida.

O último: Henry Cocci, filho de uma inglesa com um italiano. 21 anos. Em seu relatório clínico dizia...

***
Jayme seguiu Henry até a sua casa. E o viu em pleno desespero pela sua janela, agarrado a uma garrafa de uísque. Henry era filho do capitão da cidade logo, por se sentir ameaçado pediu, implorou ao seu pai que o protegesse lhe contando toda a história. Que havia feito um Jayme entrar na mansão amaldiçoada, e que agora ele vinha ao seu encontro. O pai de Henry não levou fé, disse que a morte de Olivier havia sido um acontecimento isolado, mas com a morte do Ragazzo e do Bonamorte, o pai de Henry se viu obrigado a fazer algo e delegou três homens para proteger o seu filho.
Jayme se sentiu na obrigação de fazer daquela última morte a sua obra prima. Ainda na noite, entrou pelas portas da frente na casa de Henry. Quando o primeiro guarda ergueu seu trabuco para atirar, o jovem noctívago já lhe havia tirado a arma e o arremessado em cima do outro vigia. Henry desesperado, contorcendo-se no seu medo, ouvia os gritos e sons de luta e de tiros que aconteciam na sala. Até que tudo se fez silêncio. A luz da vela acabou dando lugar à luz que vinha de fora do quarto. Ainda abraçado a garrafa de uísque chorando, viu a porta do quarto se abrir e o contorno do corpo do jovem noctívago foi o que viu, apenas.

***

... Causa Mortis: Carbonização. O fogo foi ateado em seu pé e apenas depois, espalhou-se para o corpo, como se podia deduzir pelos diferentes níveis de carbonização. No local, uma garrafa de uísque quebrada e um isqueiro antigo, com o nome Vincenzo gravado nele.
Jayme lembrou-se de Laura e mesmo em seu estado sombrio, ainda lembrava-se da paixão que movia por ela. Na noite do dia 7 de agosto, um dia depois da morte de Henry, Jayme foi procurá-la e para sua desgraça encontrou Laura chorando, diante da foto que havia tirado com Henry. Henry a havia pedido em casamento.
O céu chorou no lugar Jayme, que agora, não poderia chorar mais. Mas ainda era humano o suficiente para sentir a perda da amada, que agora chorava a morte de outro.
Chegando ao seu refúgio, em silêncio, entrou e desceu até a presença daquele noctívago que agora não estava mais na parede, mas estava de pé em sua frente. O noctívago da parede abriu a passagem ao abrigo dos Boniviere, onde Jayme entrou para dormir o sono eterno com a sua amada em seus braços, para um dia andar a luz novamente.

Golconda...

“Vê, a clemência do Pai é maior que você sempre soube, agora há um caminho aberto, uma estrada de Clemência que você chamará de Golconda... para que... possam morar na luz uma vez mais...”

Benção de Gabriel, o gentil anjo do Senhor...


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FIM
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sábado, 14 de agosto de 2010

O tempo é uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para lá e para cá; governo de criança.”


 Heráclito/ Aforismo 52

Estamos todos expostos a ele, e não há como vencê-lo. Somos estranhos subordinados a esse fenômeno constante que acontece a cada dia, a cada momento. Tentam medi-lo e acreditam que podem calculá-lo. Mas ele é imprevisível e incontrolável. Alguns o sentem, outros acham que são imunes e não se importam com ele, mas sentem o peso que lança sobre os seus ossos.
Ele é a combinação “mais-que-perfeita” dos quatro elementos da natureza. Sólido e firme com a terra. Impossível de ignorar. Leve e ligeiro como o ar que passa na maior parte do tempo despercebido de nós, mas é parte fundamental da nossa existência. É agressivo, corrosivo, implacável e violento como o fogo. E escorre pelas nossas mãos com a mesma facilidade que um tantinho de água.
Falando assim, logo se imagina que se estamos nos referindo a um deus, ou a alguma entidade. E talvez sim. Talvez ele seja toda essas coisas. Talvez estejamos falando de um deus, de uma entidade, de uma pessoa, de um fenômeno, benção ou maldição que todos conhecem, respeitam e temem. O tempo.
A filosofia de Heráclito parte da premissa de que tudo está em movimento, tudo é movimento - Panta Rei, ou “tudo flui” ou ainda “tudo se mexe” -, exceto o próprio movimento. A vida, o tempo, tudo se move. Nada é estático. Se observarmos, até a mais mísera partícula da partícula, veremos que ela vibra, se move.
O tempo é intrínseco. Existe por e gera a si mesmo. Por mais que esta simples descrição lembre vagamente o conceito de physis, não seria prudente dizer que ambos são a mesma coisa. Entretanto, estão são inerentes um ao outro, e seria mais imprudente ainda dizer o contrário.
Enquanto acreditamos que, mesmo indomável, o tempo é algo que passa por nós, lançamos um véu de ignorância forçada sobre nós mesmos, e nos fechamos à realidade. O tempo não passa por nós, nós é quem passamos por ele. A prova disso, é a morte, é a vida, é o nascimento. Muitos nascem, crescem, vivem, morrem e o tempo permanecesse ali, constantemente correndo. Mas o tempo não é imutável, pelo contrário, o tempo é o criador de toda a mutabilidade que conhecemos. O tempo deu a Darwin a teoria da evolução, guardando nele tudo o que o cientista precisava. Deu a Cristo o direito de dividi-lo, deu a todos o direito de marcá-lo de algum modo e de por ele serem levados até a posteridade. Os cientistas e os filósofos já entenderam que o que muda, muda por causa do tempo. Tanto pelo chronos (quantidade de segundos, minutos anos, milênios), quanto pelo tempo (clima), tanto pelo tempo (duração de um fenômeno físico). Porque assim ele, o tempo, permite que seja.
Talvez o tempo não seja realmente assim, talvez estejamos creditando coisas demais a ele. Afinal, ceder a algo que nós nem temos certeza do que é, tantos poderes, pode ser uma tentativa de esconder o nosso desconhecimento. Enquanto isso não é certo, cabe-se continuar vivendo inserido nesse deus, fenômeno, entidade, medida e seja lá o que for.

Auguste Thomas

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Os Treze de Elizabeth Bathory


Prólogo

1636. Sàvar – Hungria 

A condessa já não vive mais entre nós. Mas gostaríamos que ainda estivesse viva. Para recriarmos as noites banhadas de luxúria e de alegria e de doce sabor de virgens das histórias que os nossos pais contavam. Apenas queremos de volta nossa liberdade para ser quem realmente somos. Para sermos verdade. Sem necessitar esgueirar-se pelos oscuros becos húngaros por causa de mísero e pobre alimento. Não fazemos porque queremos, fazemos porque necessitamos. Mas se dissermos a vós que não temos prazer nenhum no deleite, estaríamos mentindo. Ora, qual o ser que não se compraz no doce sabor do alimento? 
Todos os nossos pais, Duque de Pal Bathory, Conde András, Viscondessa Anna e Condessa Orsolya foram queimados vivos e não sobreviveram. Katalin, a herdeira do trono de sangue Bathory, ainda se mantém nas trevas. Não pode revelar-se. 
Não éramos e nem somos bem vindos onde estamos. Até mesmo “Os céus” se desagradavam de nós. A ponto de termos que sacrificar parte de nosso povo para podermos existir. Uma barganha com o espiritual. Não poderiam existir mais do que treze descendentes de nossa amada Condessa de Nýirbator, Elizabeth Bathory, na face da terra. Desde então estamos em treze, somos treze e, pelas mãos do destino, seremos eternamente os “Treze filhos de Elizabeth Bathory”. 
Mas haverá o tempo, e sabemos que o mesmo não está longe, em que o poder dos treze se tornará absoluto, imbatível e implacável. O tempo em que o nome Bathory será temido novamente. Mas por hora, mais vale nos acalmar e esperar, mesmo que sedento por alimento, o retorno do nosso total poder.


Parte1 – Imagens.

2010. Saint John’s – Canadá 

Chovia.
Os alunos do High School encontraram muitas dificuldades para poderem se locomover. O asfalto molhado exigia atenção redobrada dos pais, que dirigiam os seus carros pelas movimentadas ruas da cidade. O dia estava estranhamente tranquilo. As nuvens que cobriam Saint John’s eram densas, pesadas, enegrecidas. Perpetrando escuridão em plena manhã canadense. 
Os carros paravam na frente da calçada. Os alunos se preparavam para a volta às aulas das férias de verão. Ninguém estava feliz com a volta à massacrante vida escolar, entretanto, ficar longe dos amigos é algo realmente pior que enfrentar a escola. 

_Você pode me deixar aqui mesmo, mãe. Não precisa me levar até porta da escola – disse Matthew, tentando ainda preservar o resto da dignidade que lhe sobrara. 
_Não querido, eu faço questão de te levar até a porta da sua escola. – respondeu senhora Helen 
_Mãe, é vergonhoso ser levado por alguém até a porta. Ainda mais alguém da minha idade. Você pode me deixar aqui na esquina se não for pedir muito? – retrucou o jovem 
_Quer dizer que agora você tem vergonha da sua mãe? 
_Deixa de drama mãe. Não é nada demais, só é realmente constrangedor. Por favor... – disse Matthew quase que numa súplica
_Está bom. Vê se não se mete em encrenca rapazinho – berrou ao longe senhora Bathory.

Tendo saído do carro e andando pela calçada com o seu casaco azul, Matthew fazia um tímido sinal de positivo por cima dos ombros, respondendo à preocupação de sua mãe. 
Olhando no longe, viu o seu grupo de poucos amigos o esperando na porta da escola, e soltou um leve sorriso de canto de boca. Feliz, por encontrar aqueles aos quais sabia que eram seus verdadeiros amigos. Ted, Greg, Anna, Lucy e Matthew formavam o que seria o clube dos “alunos de futuro”. 

_Seja novamente bem vindo ao inferno, Bathory – Disse Greg estendendo a mão para o amigo.
_ Fazer o que. Eu tenho que pagar pelos pecados da minha família não é? – respondeu Matthew, colocando logo em seguida os braços sobre os ombros de Lucy e Ted. 
_Me digam, como vocês conseguiram viver sem mim nestas férias? – disse Matthew num tom irônico. 
_Você se acha! – falou Lucy, lhe dando um empurrão. 
_Vocês souberam do outro cadáver sem sangue que apareceu aqui na cidade? – comentou Anna 
_Não seu porque você ainda se importa com isso – respondeu Greg – Todo mês aparece um cadáver assim. Desde que não seja um de nós, por mim tanto faz. 
_Mas que menina sem coração! Oh! Meu Deus! – Disse Ted, preenchendo cada palavra de puro e notório sarcasmo. (risos).

O sinal acabara de tocar e o corredor fervilhante de gente estava, aos poucos, se dissolvendo. Cada aluno indo para a sua sala.
Matthew sentou-se na sua carteira, se preparando para mais uma maçante aula de Química Inorgânica, ouvindo as longas explanações de Mrs. Jones, que explicava minuciosamente como um átomo necessitava de completar a sua última camada, ou seja, a camada de valência, para copiar a um gás nobre e alcançar estabilidade. Três horas de tédio! Matthew sabia que jamais usaria aquilo na sua vida para fazer absolutamente nada. As horas se passaram e ele acabou por ceder ao sono que sentia, em plena sala de aula. 
 Após estar num profundo sono, Matthew foi levado por um sonho até o alto do Monte Holier, famoso pelas suas brancas e longas camadas de neve alva, onde havia uma linda mulher que possuía abraçado no seu corpo um longo vestido negro, intenso, ao longe. Sua boca de lábios finos e delineados exibia um vermelho suntuoso, vistoso e atraente. Seu vestido, que parecia se diluir no ar, lhe cobria os pés enquanto seus braços desnudos mostravam sua branquíssima pele. Os cabelos, sim, os cabelos, esvoaçantes se movimentam, como se o vento passasse devagar de propósito, fazendo com que dançassem no ar. Seus olhos de um verde esmeralda, devoradores e fortes, vinham em sua direção feito tempestade. Certamente uma aparição, que aos poucos, bem lentamente, ia se desfazendo além do horizonte, enquanto ouvia ao fundo o seu nome sendo dito bem baixinho.

_Matt. Matt! Acorda cara... – disse Greg sacudindo com o pé a perna de Matthew, que acordou rapidamente olhando para frente recebendo o gélido olhar de Mrs. Jones. 
 _Você poderia me dar um exemplo de ligação covalente, Sr. Bathory? – perguntou Mrs. Jones.

Sem fala, Matt gaguejava repetindo a pergunta de Mrs. Jones, tentando buscar no ar a resposta. Quiçá esperando do divino uma iluminação para não errar.
Ouviu-se o sinal do intervalo. Todos fecharam rapidamente o caderno, fazendo alvoroço em seguida, mal dando ouvidos aos avisos que Mrs. Jones dava. Matthew saiu da sala apressado, com um sorriso de alívio preso ainda no rosto. Chegando ao corredor, relaxou como se tivesse tirado o peso de uma vida das costas.
Todos já tinham ido para o refeitório e o esperavam lá. Os assuntos eram intermináveis. O morto sem sangue, as férias fracassadas, os professores pé no saco, homens, mulheres, festas. Sorrisos e felicidade. Todos riam e brincavam enquanto Matt se lembrava do sonho. Parecia ser tão real. O vento que batia em seu rosto, a face da jovem mulher, sua boca vermelha. Tudo tão crível e ao mesmo tempo fantástico demais...

_Matt, você está bem? Está tão distante... – perguntou Anna.
_Não, não. Nada importante. Continuem, vocês estavam falando da mulher morta não é? – disse Matt, dessa vez, proposto a participar do assunto. 
_ Sabe, tem um cara por aí dizendo que tem noção do que está acontecendo aqui na cidade – disse Lucy, lançando o mistério no ar. 
_E o que seria? – ironizou Ted.
_Vampiros. – respondeu Lucy. 

A mesa foi acometida de um silêncio e de rostos visivelmente assustados. Seguidos de uma “violenta” gargalhada que saia descontrolada da boca de Ted. Seguido discretamente (e também NÃO discretamente) por todos na mesa. 

_Quem te disse uma idiotice dessas? - disse Greg ainda rindo da “pérola” de Lucy 
_Um maluco que estava em frente ao prédio de onde foi encontrado o corpo do cara. 
_E você acreditou? – perguntou Anna
_Claro que não! Não na hora. Mas... sei lá! Quando aparece um cadáver sem sangue, até mesmo a mais idiota das hipóteses se torna plausível. 
_Hum! Sei. Então você acha que a polícia deveria cogitar que existe um “vampiro” na cidade e que eles deveriam sair armados com alho e estacas de madeira? – satirizou Matthew. 
 _Ai! Vocês são uns ridículos mesmo – disse Lucy rindo das suas próprias palavras. 

O dia seguiu como nos conformes, encerrando o período de aulas exatamente ao bater do sinal do meio-dia. Já não chovia mais. Todos se encontraram nas portas do colégio e foram descendo a rua da escola e a cada momento o número se reduzia conforme desciam a rua. Cada um tomando o caminho de sua casa, até que Matthew ficou sozinho na escura manhã de Saint John’s. Em sua mente, a imagem do sonho ainda era viva. Algo ao qual lhe tirava deste mundo e o arremetia a outro tempo, outro lugar. 
Matthew chegou a sua casa e sentiu o cheiro da comida de sua mãe. Estava faminto. Subiu rapidamente para o seu quarto para trocar de roupas, quando o seu irmão, Mark, saiu do armário, usando peças antigas as quais cobriu o corpo como uma armadura e aos gritos pulou em cima de Matt, que recebeu o irmão festivamente dizendo:

_Prepare-se para receber a punição, jovem samurai, por ter invadido os meus domínios... 
 _Prepare-se você para sentir o sabor de minha adaga! – respondeu o pequeno Mark, enquanto ambos enganchavam-se no chão, numa luta epicamente divertida e sem compromisso com a vitória. 
_Andem meninos! O almoço já está na mesa! – gritou a mãe, da cozinha. 
Apostando corrida, os dois desceram a escada, Mark passou a frente de Matthew que o segurou debaixo do braço e correu com ele até a cozinha! 
_Eu ganhei! – disse o pequeno.
_Como assim? Eu vim correndo com você. Isso quer dizer que sem mim você não teria ganhado. – respondeu Matthew, em tom de provocação.
_Empate! – disseram ambos, quase que num tom uníssono.

Após a diversão, almoçaram. Matthew se despediu do irmão, que naquele momento seria levado para a escola. Terminando o seu almoço, subiu para o quarto. Queria terminar o livro ao qual havia começado a ler havia uma semana:

O segredo Bathory.

Lançava-se horas contínuas e ininterruptas na procura pela história de sua família. Na esperança de, quem sabe, encontrar um de seus parentes paternos, aos quais nunca conheceu, assim como o seu próprio pai. Levi Bathory.
De acordo com o pouco que Matthew sabia, Levi era filho de Bartolomeu, que era filho de Andreas, que descendia de András, filho de Elizabeth Bathory. A história marcada de perseguições e de mortes lhe contava que os descendentes de Bathory, assim como a própria, eram odiados e temidos por todos no século XVII. Não havia um ser vivo que não tremesse ao ouvir o nome Bathory ser pronunciado. Toda a Hungria, e não só ela, era aterrorizada pelas noites abluídas em sangue e em torturas, as quais Elizabeth tinha prazer em executar. Desde fazer com que escravos corressem molhados pela nevasca, até que os mesmos morressem petrificados pelo frio até costurar as vaginas das virgens, a fim de que as mesmas permanecessem assim. De acordo com o que Elizabeth acreditava, o sangue das virgens lhe dava juventude eterna. Ela fazia questão de banhar-se no sangue que descia dos corpos nus e rasgados, muitas vezes ainda vivos e suplicantes, pendurados no alto dos seus aposentos iluminados pelas velas e sempre preenchido de incenso para que ninguém sentisse o odor facilmente identificável que o sangue humano tem. 
Entretido em suas pesquisas, Matt não percebeu que já havia anoitecido. A chegada do ônibus da escola de Mark lhe passou despercebido. Apenas conseguiu romper o seu “transe” quando ouviu passos apressados nas escadas e viu que o seu irmão já havia chegado. Olhando para o relógio, viu que já era quase a hora do jantar. Desligou o seu computador e fechou o livro que estava lendo, deixando-o em cima do criado-mudo que havia do lado da sua cama.
Desceu vagarosamente as escadas e viu a sua mãe, preparando a mesa para o jantar. O relógio marcava seis e treze. A mãe de Matthew sempre servia o jantar pontualmente às 18h50min, e às dez da noite, todos já estavam tomando leite com biscoitos. Um lanche noturno ao qual sempre estavam acostumados. Todos dormiam cedo. 
Ficaram todos na sala e assistiram tevê até que Mark dormisse e fosse levado para o quarto pelo seu irmão. Matt acordou a sua mãe, que também havia adormecido, para que fosse para o seu quarto. Já exausto, tomou um bom banho quente e vestiu-se de sua calça. Jogou se na sua cama e dali mesmo programou o relógio para que despertasse pela manhã. Entretanto, ouviu um barulho esquisito vindo do seu banheiro. Algo deveria ter caído no chão. Levantou ainda cansado e viu que a porta do armário de seu banheiro estava aberta e que alguns remédios aos quais tomava estavam espalhados pelo chão. Recolheu os comprimidos e os colocou de volta dentro do pequeno pote. Saindo do banheiro, sonolento, sentou-se na cama. Coçando os olhos, sentiu um toque álgido nas suas costas. 
Por algum motivo, ao qual não sabia, seu corpo não conseguia se mover. Foi quando braços alvos e esguios abraçaram o seu corpo. Seus gritos não eram ouvidos por ninguém, apenas ele e aqueles braços galgazes estavam ali. Aqueles braços que lhe enviava as unhas e de alto a baixo lhe rasgavam o peito. 
Seus olhos se abriram e única visão que tinha era a de uma luz vermelha na forma de três algarismos que piscavam. Eram três da manhã. Aliviado, resolveu deitar-se olhando para o alto, apenas para descobrir, contra a sua vontade, a dona dos braços alvos e magros que lhe havia abraçado, agarrada no alto de seu quarto, ofertando a ele um sorriso frio de dentes pontiagudos. Num reflexo, seu corpo se ergueu da cama. O relógio retine marcando seis horas. Já é dia.


Parte 2 – A chegada 

1699. Sàvar – Hungria 

Trinta e três anos se passaram e a nossa conjuntura não é própria. Estamos sendo caçados. Olhe que ironia: Nós que temos por natureza o dom de predar, nos tornamos presas, acuadas num canto sem ter a oportunidade de reagir. Eles estão sempre em grande número. Para cada um de nós a mais de mil deles. Nem mesmo a princesa Katalin, no auge de sua força e juventude, pode matar mais de mil. 
Mediante ao pacto, extirpar a nossa raça não é uma das mais ardorosas tarefas. Por isso, decidimos nos dividir em clãs e nos espalharmos por toda a face da terra. Cada um dos treze se tornará dono da terra onde estiver, e terá direito a súditos, e terá total domínio sobre eles. 
Separando-nos, a tarefa de nos exterminar se tornará quase impraticável, e por mais que um de nós seja apanhado e oferecido as salamandras em seu estado sombrio, e seja fulminado e deixe de viver, sempre nascerá um no meio de nós, de sangue puro, que nos tornará completo novamente. 
O nosso hodierno poder advêm de nosso número. Este é um dos reflexos do Pacto dos Treze, mas esta é uma realidade a qual teremos que nos adequar.


2010. Saint John’s – Canadá
 

Seu corpo ainda tremia e suava. Em seu peito, as marcas de uma noite conturbada. Sua mãe batia na porta lhe alertando que já era hora de levantar, como era feito todas as manhãs. Sendo respondida apenas pelo soar do despertador, insistiu, preocupada. Tudo havia se tornado silêncio. Foi quando a fechadura se destrancou e o rosto cansado e suado de seu filho apareceu na porta dizendo que já havia levantado. 
Sua aparência assustou Helen, que como qualquer mãe, perguntou se ele estava bem. Matthew apenas acenou positivamente e fechou a porta novamente, caminhando lentamente para o banheiro de seu quarto, se apoiando em tudo o que podia. Olhou-se no espelho e viu-se como a um zumbi.
Ainda com as imagens daquele pesadelo na cabeça, sacou um dos muitos potes que havia dentro do armário de seu banheiro, engoliu um comprimido para poder relaxar. Sua mãe passou novamente em frente ao quarto e disse para que ele não demorasse. 
Depois de tomar o seu banho, Matthew, ainda não se sentindo bem, arrumou-se devagar e pegava sua mochila que estava na poltrona próxima à janela do seu quarto. Assustou-se quando viu, desenhada no embaço de sua janela, uma mão. 
Seu corpo já virara, na tentativa de correr quando deu de cara com o seu pequeno irmão com o ursinho Theodore nas mãos. Mesmo sendo possuído por uma sensação de pavor, não se descontrolou. Não queria assustar o seu irmãozinho.
Abraçando o pequeno, e o suspendendo em seu colo, virou-se para a janela e ainda via, terrificado, a mão que ainda estava desenhada na sua janela. 
Matthew e sua família desceram e tomaram o desjejum. Matthew não interagia muito, estava atônito. Em sua mente, a imagem dos braços galgazes, e da mulher, que de certo modo lhe era familiar, mas que nunca desconfiaria de onde já havia visto tamanha ferocidade. 
Na escola todos perceberam o estado de Matt. Estava realmente abatido. Anna perguntou o que havia acontecido, e Matthew, com medo de se tornar alvo de chacotas e escárnio se separou do grupo com Anna, e lhe contou tudo o que acontecera a noite. Ela ouviu, atenta, mas alertou que ele não devia se preocupar, que provavelmente o desenho da mão que estava na janela era a dele, que poderia ter se apoiado na mesma sem que percebesse. 

_Você não está me entendendo! – disse Matt levantando a camisa e mostrando no peito, as arranhaduras que se haviam feitas. 

O rosto de Anna, assustado, refletia a imagem do que seriam cortes que não sangravam, com aparência intensa, viva, pulsante. Em si misturou um sentimento de pavor e de preocupação com Matt, que abaixava a camisa para esconder os ferimentos.
Anna insistiu para que ele fosse à enfermaria cuidar dos ferimentos, mas Matt disse que eles não doíam e nem sangravam, apenas deixaram essa esquisita aparência em seu corpo. 
Todos assistiram às aulas e, com a presença dos amigos, Matt conseguiu distrair-se um pouco. 

_Vocês souberam da nova? – comentou Lucy durante o intervalo. 
_Ih! Lá vem mais uma... – Disse Ted ciente de que Lucy lançaria no mínimo algo completamente desnecessário e por muitas vezes até patético. 
_Vocês já souberam da chegada dos novos alunos? – perguntou Lucy 
_Que novos alunos? – disse Anna, curiosa.
_Parece que chegaram doze. São alunos de intercâmbio. Cada um deles veio de um país diferente. Parece que esse grupo tem uma responsável que está “mexendo os pauzinhos” aqui para eles. 

Enquanto conversavam, os alunos percebiam a entrada triunfante dos novos alunos no refeitório. Todos os olhos se direcionaram para aquelas figuras belas, fortes e imponentes. De presença marcante, quase avassaladora. O frisson foi instantâneo. Apenas Matt, por algum motivo, não se surpreendeu com a chegada dos alunos de intercâmbio. Somente quando Matt sentiu uma frígida brisa lhe cortando o pescoço, olhou para trás e descobriu sorrisos confiantes que escondiam uma pele que parecia ligeiramente com a de um anêmico. Mas nada que os olhos intensos, vivos, penetrantes não ocultassem.
A presença deles naquele lugar pressionava Matt, que sentia seu corpo reagir à estranha companhia daquelas criaturas. Por um instante, o olhar escondido de Matt cruzou com o de uma das integrantes daquele grupo, que deixou de sorrir por alguns instantes e lhe deixou escapar a surpresa pelos olhos. Outro dos estudantes colocou o seu braço sobre os ombros daquela mulher e interrompeu aquele encontro de olhares. 
A agitação foi se dissolvendo aos poucos quando os novos alunos se sentaram em uma das mesas. A chegada dos doze causara a maior sensação já vista por alguém. Todos queriam saber quem eram, e de onde vieram. Matt não possuía essa curiosidade, de algum modo, ao qual nem ele mesmo poderia explicar, aqueles jovens não lhe eram desconhecidos.
Terminado o intervalo, todos foram para a aula. Matt não conseguia se concentrar nas aulas de matemática. Enquanto desenhava no bloco de anotações, ouviu o barulho da cadeira ao lado se arrastar. Era Anna, que exalava um odor tênue de rosas. Nunca tinha a visto daquela forma. Seus cabelos cacheados de maneira tão singela. Um sorriso tímido, que raramente rompia os lábios por completo. Era realmente muito bonita. E como ser bela já não bastasse, Anna era uma aluna exemplar. Todos os do grupo de Matt eram exímios alunos. Por mais que viessem a parecer alunos comuns, possuíam um diferencial que os professores apreciavam, por mais que o comportamento deles fossem deveras presunçoso. 
O dia de aulas havia terminado, e surpreendentemente os doze novos alunos não foram vistos. Maldosamente, Ted comentou que eles deviam estar assustados com os ETs que ficaram olhando enquanto eles apenas iam almoçar. Algo ainda incomodava Matt, que resolveu não dar mais atenção. Afinal, de nada valeria continuar a queimar neurônios com jovens estudantes de intercâmbio. Apenas o interessava chegar em casa e tentar ter um boa noite sono. Isso se aquela criatura dos sonhos não resolver aparecer novamente. 
Já era noite e Matt não conseguia pegar no sono. Olhava para o alto do quarto tentando entender que aquilo não passara de um sonho. Mas algo dentro dele dizia que havia sido real. Talvez não completamente real, mas real o suficiente para marcar o seu corpo.
Matt já relaxava na cama, tentando convencer a si mesmo que nada daquilo era real, quando seu quarto foi iluminado por um relâmpago, que por instantes, revelou a forma humana que estava sentada na poltrona. Matt sentou-se desesperado para ver o que estava acontecendo e acendeu o abajur. Não havia ninguém. Matt deitou-se novamente na cama e virando lentamente, viu ao seu lado, frio e estático, o jovem rosto da moça de seus pesadelos.
Levantou-se rapidamente da cama. A noite novamente havia se passado ligeiramente. Rápida, mas não sem vestígios. Matt levantou a sua camisa e notou. As cicatrizes que estavam e seu peito haviam desaparecido.


Parte 3 – O presságio.

1715. Sàvar – Hungria 

Hoje é dia de celebração. Estamos todos reunidos para comemorar. Tivemos sucesso em apagar nossos rastros e agora podemos viver tempos de bonança. Confesso que não há tantas facilidades quanto na época de nossos ancestrais, mas não nos queixamos. Temos o suficiente, por enquanto. 
O nosso número ainda é o mesmo, o que não é nenhuma surpresa, mas agora, temos súditos que compartilham uma diminuta parte da nossa benção. Eles trazem o alimento até nós, e nós complementamos a alimentação deles. Uma pequenina parte de nós está neles, mas que esteja longe de tais carniças impuras e putrefatas, o desejo de querer se comparar a nós. Eles não possuem o sangue puro e não passam de escravos inteiramente substituíveis. 
Senhora Katalin ainda controla tudo sob as trevas. Hoje, mandara uma mensagem aos vossos filhos, nos reforçando a incumbência de sempre manter sigilo de nossa existência. Por mais que agora tenhamos escravos com destrezas sobre-humanas, enfrentar aquela corja ainda é muito arriscado. Sucede-se que, quanto mais encontramos meios de aumentar o nosso número, sem romper o pacto, mais esta raça inferior se multiplica.
Sendo assim, questionamo-nos: De que vale a abundância em alimento, se a própria fartura dos mesmos torna a degustação algo tão difícil? Creio que não há respostas para essa pergunta.


2010. Saint John’s – Canadá.

O final de semana prometia as mesmas sensações e o mesmo peso ao qual recebera há dias. Matt sentia-se esquisito. Com sede. Uma sede que logo viria a descobrir insaciável.  
Sua mãe, como sempre, batera na porta e logo foi respondida. Matt não desejava ser alvo de preocupação da sua mãe. Conferindo o seu quarto, percebeu que tudo estava nos conformes. Nenhuma mão marcada na janela. A poltrona permanecia fria e vazia. 
No caminho para o colégio, tentava pensar em outras coisas, para se sentir melhor. Queria tornar a sair com os amigos que ficou muito tempo sem ver, afinal, era o último ano. O último momento ao qual poderia festejar antes de se formarem. O ano logo se encerraria. Matt planejava levar todos para saírem. Talvez fossem a alguma boate, ou até mesmo se reunissem em alguma casa. O importante era curtir esse último semestre. 
No High School, o assunto não era outro. A chegada dos doze foi logo esquecida. Um acontecimento necessitava muito mais de atenção. Seis corpos foram encontrados, com muitas lacerações. Todos os corpos foram encontrados com alguns metros de distância entre eles. Estranhamente, todos os corpos estavam sem sangue. Alguém ou algo fez com que o sangue daqueles pobres jovens escoasse para fora do corpo. Todos não sabiam mais no que acreditar. A ideia de que um maníaco homicida poderia ter matado seis pessoas na mesma noite era difícil de acreditar. As mentes assustadas dos estudantes cogitavam as mais inverossímeis e idiotas ideias. O temor era total. Ninguém queria sair de casa. 
As ruas de Saint John’s se tornaram mais vazias do que o de costume. Não havia nenhuma alma VIVA que perambulasse por algum lugar. As mães não deixavam seus filhos saírem de casa. Os filhos choravam a ida dos pais mais corajosos que iam para o trabalho.
O dia de aulas foi tenso. Parte dos alunos ficou em casa, com medo de se tornar vítima do que (seja lá o que for) está matando as pessoas e retirando o sangue do corpo. 
Matt se viu sozinho no seu dia de aula, nenhum de seus amigos foi a escola. No almoço sentado sozinho, tornou-se alvo dos olhares de uma das integrantes do grupo de doze novos alunos, que silenciosamente sentou-se em sua mesa deixando-lhe um convite para uma festa que haveria de ter na casa deles. Hoje eles estavam formosos, belos e mais vivos que nunca. Exibiam seus olhos impetuosos, vivazes, de tom encarnado. 
Encerrado o dia de aulas, Matt chegou em casa e foi para o seu quarto, deixando de lado as perguntas de sua mãe de como havia sido o essa volta as aulas. A oportunidade da festa com os amigos estava em suas mãos. Pegou o telefone e ligou para Ted, que até o presente dia, nunca havia sido excluído de nenhuma festa. 

_Alô. – disse uma voz feminina
_Senhora Stanford?       
_Sim... 
_O Ted está em casa? – perguntou Matt 
_Não meu filho. Um rapaz passou aqui em casa e veio o buscar para passar o dia na casa dele. – respondeu a mãe de Ted
_A senhora sabe quem foi aí buscar o Ted?
_Querido, ele disse que era um dos alunos novos do colégio. Ele não pode ouvir as palavras “vamos” e “festa” colocadas numa mesma frase, é terrível! (risos). Ele se arrumou e saiu na hora. Parece que a Lucy e os outros meninos estavam com eles. Você também vai a essa festa? – perguntou senhora Stanford, preocupada com o seu filho. 
_Não sei ainda. Vou ver se Anna também foi convidada. – disse Matt
_A sua namorada? – perguntou a Matt, para seu desconserto total. 
_Não, não. Somos apenas “bons amigos” – respondeu Matt com a voz risonha pelo telefone
_Fico preocupada com o Ted. Com esses últimos acontecimentos, tenho medo que ele saia de casa. – comentou senhora Stanford
_Bom, a senhora pode ficar despreocupada. Ele sabe se virar. E para que a senhora fique mais tranqüila, eu também vou à festa. É até bom porque assim a gente pode se divertir um pouco junto.
_Obrigado filho. Fico um pouco menos nervosa sabendo que ele vai ter uma companhia para voltar para casa. – agradeceu a mãe de Ted. – Tchau, meu filho, e muito obrigada. 
_Não por isso. – respondeu Matt. 
Matt ligou logo em seguida para Anna, que se animou em saber que todos os seus amigos estariam lá. Resolveram ir e ficaram de se encontrar para irem para o que prometia ser A festa. 

  
Parte 4 – A revelação.

1832. Londres – Inglaterra.

Estamos em boa conjuntura, mas ainda não alçamos os mesmos voos que a nossa amada condessa. Por causa do grande número de humanos, tornou-se lei o ato de manter o sigilo quanto a nossa verdadeira identidade. Aparecer diante de um humano em nosso estado sombrio seria o mesmo que trazer maldição novamente à casa dos Bathory. 
A ordem, em fim, foi restaurada. Estamos organizados e a hierarquia é obedecida. Indubitavelmente o grande poder está nas mãos da herdeira do trono que, deu o ar da sua graça. Pude ver os olhos de nossa amada princesa. O quão são vívidos, e o seu poder sobre nós é indiscutível. Soberana e magnífica. 
A princesa Katalin reerguera o trono de nossa digníssima Condessa, e ainda estenderá sobre toda a Europa novamente o véu do nosso poder.


2010. Saint John’s – Canadá

Matt e Anna se dirigiram até o endereço do convite e se depararam com o imenso casarão. A noite estava fria e Anna havia disposto do casaco de Matt. O som alto da música os incentivou a subir as escadas e a abrirem as portas de madeira rústica, liberando toda aquela juventude e animação presas naquele ambiente propositalmente sinistro. 
As luzes estavam baixas, enquanto os refletores piscavam velozmente. As bebidas estavam à disposição na mesa, juntos com os salgados. Matt conseguiu observar Ted e Greg dançando ao som de Lady Gaga, com suas pulseiras fluorescentes. 
 Não havia uma quantidade abissal de convidados, mas mesmo assim, a impressão era de que não havia espaço para se mover na festa. 
Ted, Greg, Anna, Lucy e Matt dançavam e se serviam, enquanto do alto os doze alunos que deram a festa, observavam atentamente a todos os seus convidados dançando, bebendo, alimentando-se. 
Matt e Anna dançavam juntos, em movimentos aos quais seus corpos se tocavam levemente, numa dança de sedução que Matthew não conseguia negar, mesmo tendo interiorizado dentro de si que homens não dançavam. 
Enquanto dançavam, Matthew sentiu uma leve brisa lhe soprar o pescoço enquanto via passar por detrás do corpo de Anna, a mulher. A mulher de pele alva a qual havia sonhado. A dama de vestido negro passara lentamente, destoando todo o ambiente. Seguir aquela mulher era a única coisa que passava em sua mente. Os olhos de Matt e da dama de negro não se desconectavam. O corpo de Matt respondia involuntariamente aos passos da senhora, que o guiava pelos corredores da casa até o porão, ao qual Matt nem percebeu que era profundo, no interior da casa. Desceu degraus e mais degraus sem perceber, ainda perdido na profundidade dos olhos daquela mulher. Sabia que não poderia ser real, mas não conseguia deixar de segui-la, tudo era convidativo ao encontro daquela mulher. Rostos conhecidos apareceram no fim de todas aquelas escadas. A jovem dama continuou a andar até sentar-se no colo do homem que estava na poltrona vermelha na imensa sala de pedra iluminada pelas luzes das velas. 
Matt saia do transe ao qual fora induzido enquanto tentava voltar às escadas para voltar para a festa, não percebendo que atrás deles já havia um homem e uma mulher interrompendo propositalmente o retorno dele para a saída. 

_Boa noite. – cumprimentou o homem que estava sentado na poltrona carmim. 
_Me desculpe, eu não sabia que ela era a sua namorada. É que eu pensei que... 
_Você pensou que havia sonhado com ela. Estou certo? – interrompeu o homem 
_Como você sabe disso? – perguntou Matt, apreensivo. 
 _Eu sei de muitas coisas Matthew, eu sei de muitas coisas. – respondeu enigmaticamente o homem 
_Olhe, eu não sei o que está acontecendo aqui. Se vocês me deixarem subir para a festa eu vou embora e vocês nunca mais vão me ver. – disse Matt, já assustado. 
_Mas por quê? A festa não lhe agrada? – perguntou o homem – Se você permitir, eu lhe mostrarei realmente o que é festejar.

Das sombras daquele porão, surgiu uma jovem moça com um belo vestido azul turquesa. Morena de uma cor indescritível. Seus cabelos cacheados lhe davam ar latino, enquanto caminhava sobre o salto. O homem que estava na poltrona vermelha levantou-se com uma taça e com um pequeno punhal na mão. Matt percebeu que o que estava acontecendo ali não era algo bom. A jovem latina beijou aquele homem que segurou os seus cabelos e lentamente, sentindo o prazer do corte, rompeu a garganta da jovem latina, colocando o sangue que jorrava para fora na taça, até que a mesma estivesse cheia. Segurava a mulher pelos cabelos permitindo que o seu corpo agonizasse no ar. 
Após a taça cheia, soltou-lhe os cabelos e apreciava o odor do sangue como se aprecia o odor de um bom vinho. Matt não acreditava no que acabara de ver. Os seus pedidos para que o homem não cometesse tal barbárie não foram atendidos, e chorava ao ver o corpo da jovem latina no chão, ainda se contraindo.
O homem se perdia na sensação de sentir o perfume daquele líquido, até que o bebeu vagarosamente, deixando escorrer pelo o canto da boca, até que terminasse a última gota. E lambia os lábios procurando ainda o sabor da jovem mulher latina. 
Matt olhava a toda aquela cena atemorizado. Pedia pela sua vida. O homem lhe olhou profundamente nos olhos e disse:

_Não gostou? Pensei que tivesse gostado. Afinal, você é um de nós. Não é? – disse o homem com um sorriso preso ao rosto ainda sujo de sangue
_O que disse? Não, eu não faço parte de nada, eu só peço, por favor... por favor me deixem ir embora, eu não conto nada pra ninguém, por favor me deixe ir embora – suplicava Matt. 
_Matthew Bathory. É o seu nome não é? – perguntou o homem
Matt não respondeu. – Bom, se permite. Esta, a mulher que lhe conduziu até aqui, se chama Lisa Bathory. 

Matt olhou em direção ao homem, não acreditando no que tinha acabado de escutar. Não havia a possibilidade mínima de isso acontecer. Ela era aluna do colégio. Se seu sobrenome fosse Bathory, logo todos a associariam a Matthew. 

_Perdoe a minha falta de educação. Meu nome? É Edgard... Edgard Bathory. – continuou o homem a dizer. 

Matt estava em choque não podia acreditar no que ouvia. Era impossível. Ele nunca encontrou referência nenhuma ao nome Bathory. Apenas tomou conhecimento de Érzsebet Bathory. A Condessa de Nýirbator, Elizabeth.

_Se perguntar o nome de cada um das doze pessoas que estão aqui na sala, com exceção da jovem moça ali no chão (risos), irá perceber que todos aqui são descendentes da Condessa. E disso você não tem como fugir. Matthew, você faz parte de nós. Você é um dos treze. 

Matthew já não sabia no que acreditar. A cena da jovem mulher sendo esquartejada havia sido demais para ele. 

_Que tipo de coisa vocês são? – disse Matt, sem poder esconder o quanto estava assustado.
_Nós? O que somos? Você ainda tem o desplante de perguntar? – ironizou o jovem rapaz.

Em sua memória, Matt viu a cena de quando conversava no refeitório e falavam da mulher encontrada morta sem sangue. As palavras de Lucy lhe viam a mente e em meio a memórias dos risos e dos deboches surgiu a resposta.

_Vampiros – disse Matt, atônito
_Bingo!! – comemorou Edgard.



Parte 5 – A essência eterna.

1992. Ottawa – Canadá. 

Cruzamos o Atlântico e cá estamos na América há mais de um século. É incrível a fartura e a facilidade com que se tem o alimento aqui. Realmente é o “Novo Mundo”. 
Apenas o clima é desfavorável. A luz do sol não nos é mortal, como desenharam os antigos escritores. Apenas nos incomoda um pouco. Alguns de nós desenvolvemos problemas na visão, outros acabaram tendo a pele gretada pela intensidade da luz do dia. 
Recebemos a notícia que um de nós veio a falecer. Parece que na Rússia a sobrevivência não é tão fácil. Nosso irmão foi morto. Oferecido as salamandras na fogueira. Entretanto, pela nossa irmã LeAnn veio a nós um menino que haverá de ser o substituto de nosso irmão. Afinal, o pacto delimita. “Não mais do que treze, não menos do que treze”. Não haveremos de descumprir tal deliberação. 
Entretanto, digo a vós que a minha existência também está próxima do fim. Não serei eu o filho de Bathory a trazer a desgraça para A Casa. Há um novo de sangue puro que veio através de mim. Desejo muito ver a minha princesa tomar o poder novamente, mas se eu viver e romper o pacto, nada disto poderá acontecer.
Talvez pensem: “Ora, porque não mataste este novo que vem ao mundo. Não és tempestuosamente sanguinário filho de Elizabeth?”. Sim é verdade, mas há um limite até para mim. Talvez eu não seja tão igual aos meus irmãos assim. Não tenho coragem de matar o meu próprio filho. 
Pois então aqui deixo todas as minhas considerações. Salve a Condessa Elizabeth, e Salve sua filha, Katalin, herdeira do trono de sangue.

Levi Bathory.


2010. Saint John’s - Canadá. 

_Não há como você fugir disso. Você também é um Vampiro. – disse Lisa
_Não! Isso é impossível! – dizia Matt, querendo não acreditar no que estava acontecendo. 
 _É quase impossível de acreditar. Não é? Parece loucura. Mas veja se essa sensação é loucura. – disse Edgard, cortando a mão profundamente. 

Matt observou o sangue escorrendo pela mão de Edgard e sentiu-se mal. Sua boca secara, seu corpo tremia e suava. 

_Você também sente não é? Todos nós sentimos. A princesa nos deu do sangue dela para nos tornar completos. – explicou Edgard, enquanto via Matt fitando continuamente a sua mão. – Beba e seja completo.

Matt não conseguiu se controlar, e esquecendo por um momento tudo o que havia visto e ouvindo e deixando se guiar por instintos que nem ele sabia que tinha, chegou próximo a Edgard e deixava cair em sua boca o sangue que descia do alto. 
Edgard explicou toda a história. Explicou que uma vez que se prova do sangue, se torna quase impossível parar de tomar. E mesmo que fique sem alimento, o corpo iria clamar pelo mesmo até o total descontrole. O Frenesi. 
Ele contou a história desde o pacto até as anotações do pai de Matthew, que, em fim, acreditou em tudo aquilo e fugiu daquele lugar.

_Não adianta correr disso! Não há como evitar! Isso faz parte de você e você faz parte de nós! – disse Edgard

Sentia-se lixo e amaldiçoado pelo seu estado. Todos o viram cruzar o salão principal com o corpo sujo de sangue. Os olhares não eram críticos. Temerosos, eu diria. O medo lhes saltava a vista como se fosse algo físico.
Anna o seguiu até a sua casa e desesperada subiu as escadas atrás de Matt que havia ido para o quarto. Chegando lá, encontrou Matt sentado no chão, chorando. Anna ainda tentou se aproximar, mas Matt não a permitia. Até que o choro se cessou e Anna, assustada, se aproximou para ver se Matt estava bem. Olhando para o seu rosto viu que Matt estava pálido e com os olhos fundos. Achou que Matt estava morto. Tentou ligar para a ambulância. Não conseguiu. Voltou para o quarto para ver Matt, entretanto, ele não estava mais no chão.
Anna olhou para todo o quarto e não via mais o corpo de Matt. O silêncio tomou conta do lugar. Anna assustada chamava por Matt com gritos tímidos e trêmulos, até que sentiu o ar ficando frio e um arrepio lhe subia o pescoço feminino erguendo até o menor e ínfimo fio de cabelo. Parecia que um demônio havia invadido o lugar. Algo pesado, sem vida.

Anna sentiu uma gota cair em seu rosto. Por reflexo, limpou o líquido denso, e olhou, lentamente para cima, apenas para ver Matt descer do teto em sua direção. Apenas para ver Matt reviver o doce sabor de virgem das histórias de seu pai. 



FIM.